Dicas de leitura

Uma amiga de Salvador pediu-me sugestões de leitura. Ela contou que tem lido bastante durante a pandemia, porque é a única coisa que a faz esquecer a angustiante indefinição do momento atual.

Pensei em consultar este blog, mas há tempos que não o atualizo. Ponho a culpa na costumeira falta de concentração, que se agravou por causa da construção final de um prédio colado ao meu.

Foram meses infernais de uma barulheira sem fim. Quando finalmente o prédio foi concluído, acreditei que finalmente teria algum sossego. Mas, então, começaram as obras de adequação de cada apartamento: remoções de paredes internas, instalações dos ares-condicionados e armários, colocação de quadros e as conversas dos operários. Difícil ouvir os próprios pensamentos com tanto barulho ao redor.

Se ultimamente não tenho escrito, pelo menos, diferentemente de minha amiga, consigo me distrair vendo minisséries e palestras pela internet. São atividades que exigem pouca concentração e sempre podem ser feitas com fones de ouvido e o volume do som nas alturas.

No entanto, não deixei de lado a leitura. Ela é feita no final do dia quando a azáfama do prédio vizinho termina, ou então um pouco antes de dormir. Trata-se de um hábito arraigado em mim: para ter uma boa noite de sono, preciso ler, pelo menos, um ou dois parágrafos de um livro.

Mentalmente recapitulei o que me agradou e selecionei estas leituras para a minha amiga baiana:

Patchinko, escrito pela autora coreana-americana, Min Jin Lee, conta a saga de uma família pobre de imigrantes coreanos forçada a emigrar para o Japão, pouco antes do início da segunda Guerra Mundial. A história atravessa quatro gerações e narra as lutas que enfrentam para encontrar conforto em uma sociedade extremamente xenófoba que parece estar deliberadamente contra eles. O livro vendeu mais de um milhão de cópias e em 2017 foi finalista do National Book Award.

A Casa Holandesa da escritora Ann Patchett conta a história de dois irmãos (uma moça e um rapaz) expulsos pela madrasta da mansão onde cresceram, depois que o pai deles morre. De uma hora para a outra, se veem sozinhos e levando uma vida bem diferente daquela que acreditavam como segura e inalterável. As lembranças da casa da infância os assombram até a idade adulta, e reavê-la torna-se uma necessidade. Entretanto, os planos de vingança tomam um novo rumo quando surge do passado uma pessoa que acreditavam estar desaparecida para sempre.

Durante muito tempo, a história principal de Um lugar bem longe daqui não me interessou. Todas a vezes que lia a sinopse ficava indignada. Como era possível uma criança, de apenas seis anos, ser abandonada num pântano e conseguir sobreviver por mais de vinte anos, sem contar com a ajuda ninguém? O enredo me parecia improvável demais, e difícil de se sustentar por muito tempo. Mas foram tantas as críticas elogiosas que resolvi arriscar. Pois é, às vezes começasse uma leitura com um pé atrás e ela nos surpreende positivamente. A narrativa aparentemente bobinha cresceu até virar uma instigante história de mistério com um final surpreendente.

Tenho uma dificuldade enorme para me desfazer dos livros que gosto e me impactaram. É esse o caso de O tigre branco*. O exemplar me acompanha desde que foi publicado pela primeira vez no Brasil em 2008. O romance estava esgotado, mas depois de ser adaptado para o cinema e estar disponível no Netflix, voltou com força total. Narrado na primeira pessoa, ele conta a jornada de um rapaz indiano que conseguiu sair da miséria, utilizando-se de métodos nada ortodoxos, até tornar-se um empresário de grande sucesso. Como sempre, recomendo que primeiro se leia o livro para depois se ver a versão cinematográfica.

*Editora Harper Collins Brasil

Velhos são os outros!

O título do mais recente livro de Andréa Pachá, Velhos são os outros, remeteu-me ao de um outro livro: Precisamos falar sobre Kevin. Eles não têm absolutamente nada em comum. Nada, nadinha mesmo. Mas o “precisamos falar sobre…” ficou zunindo na minha cabeça. Precisamos falar sobre a velhice, e com urgência!

O assunto costuma ser jogado para debaixo do tapete, como se o silêncio nos mantivesse jovens para sempre. Verdade seja dita, que graças aos avanços da medicina, morre-se cada vez mais tarde. Até recentemente era raro ter na família um parente com mais de oitenta anos, quanto mais dois ou três! Antes a velhice se escondia, hoje está aí, digna e visível para quem quiser ver.

Lembro de ficar surpresa quando, há uns trinta anos, presenciei uma senhora estrangeira fazer turismo numa cadeira de rodas. Ela entrava e saía da van, ajudada pelo marido, com a maior naturalidade. Para mim esse comportamento era uma novidade. Estava habituada com idosos trancados em casa,  envergonhados de expor publicamente as suas limitações locomotoras. Felizmente isso mudou. Recentemente, vi uma velhinha conduzindo lépida e fagueira a sua cadeira de rodas motorizada, numa calçada movimentada de Ipanema.

Mas divago. Apesar de ser desse jeito desembaraçado que pretendo encarar no futuro a minha velhice, infelizmente, isso nem sempre acontece, de acordo com a juíza Andréa Pachá. O título do livro foi pinçado de uma conversa que teve com a mãe, quando lhe perguntou quando ela se havia percebido velha. Do alto dos seus longevos 77 anos a mãe respondeu: Velha, eu? Velhos são os outros!

A escritora é juíza há 24 anos e, inicialmente, trabalhou numa Vara de Família. Os embates que presenciou e julgou viraram as emocionantes histórias reunidas no livro A vida não é justa.

Atualmente, Andréa está lotada numa Vara de Sucessões. Graças ao seu olhar compassivo, consegue enxergar por trás dos processos de linguajar frio e empolado, os conflitos que eles escondem.  Ao recontar essas histórias, ela dá voz aos idosos para expressarem livremente seus desejos e necessidades.

Mas o livro também faz um alerta: Não adianta querer esconder o sol com a peneira, e fingir que a velhice só chega para os outros. É preciso aceitar com serenidade a natural ação do tempo, deixando tudo bem explicado e resolvido, para que as últimas vontades sejam respeitadas e não haja brigas  entre parentes quando não se estiver mais por aqui.

Gostei dos dois

Falta pouco para o meu aniversário e logo será Natal. Aguardo ansiosa pelos presentes-livros que irei receber. O problema – se é que se pode chamar de problema – é que ainda não dei conta de todos que ganhei ano passado. Como sou indisciplinada, passei na frente outros livros que por alguma razão me atraíram.

Um que furou a fila foi Pequenos incêndios por toda a parte, da escritora norte-americana Celeste Ng. Escolhi porque não queria ler nada muito sério durante os longos voos que fiz ao viajar recentemente.

Com efeito, a narrativa começou bem descontraída, mas gradativamente os conflitos ganharam intensidade. Questões complexas sobre a maternidade foram levantadas: o desejo de ser mãe e não conseguir; escolher maneiras pouco comuns para se ter um filho; adoções inter-culturais e raciais; abandonar um bebê num momento de desespero; fazer ou não um aborto… Com engenhosidade a autora embaralha todas as possibilidades alterando as circunstâncias e as crenças iniciais dos personagens.

Ao terminar Pequenos incêndios por toda a parte, tive vontade de emendar com o outro livro de Celeste Ng, Tudo que nunca Contei, mas me contive. Depois de tanto tempo sem ir a Portugal, regressei determinada a descobrir os novos escritores portugueses.

Lembrei que ganhara no ano passado Índice médio de felicidade escrito por David Machado. O livro recebeu em 2015 o Prêmio da União Europeia de Literatura. Fiz uma ótima escolha ao resgatá-lo do esquecimento, porque encontrei um escritor de texto ágil e claro.

A narrativa se passa durante a grave crise econômica que atingiu Portugal em 2008. O personagem principal, apesar de sofrer graves revezes profissionais, procura manter o otimismo. Cada manhã é um novo desafio. Talvez fosse mais fácil se ele se concentrasse em resolver apenas os próprios problemas, mas não é assim que ele age. Não dá para ser feliz se fingir que não vê as mazelas dos amigos ou se ignorar o pedido de ajuda de uma estranha.

Impossível não comparar aquela época com a atual realidade brasileira. Certo que o governo de lá tomou medidas duras e impopulares – o mesmo terá que se fazer por aqui -, mas fiquei com a sensação de que o mais importante foi a mudança da mentalidade dos portugueses. Daniel, personagem principal do livro, representa uma nova geração que não se conformou com a perspectiva de um destino sombrio e, com determinação e muita criatividade, arregaçou as mangas para modificá-lo.

Índice médio de felicidade é uma leitura inteligente para se começar 2019 com o pé direito. Quanto a mim, vou correr atrás da outra obra do David Machado publicada no Brasil: Deixem falar as pedras. Que bom que meu aniversário está próximo!

Destinos e Fúrias

Lamento discordar da maioria norte-americana e de Barack Obama, mas não considero Destinos e Fúrias a grande sensação literária de 2015. (preciso acelerar as minhas leituras, a pilha continua enorme e só consegui ler o livro no primeiro trimestre deste ano)

Achei curiosa a resenha do jornal inglês The Guardian que o compara com dois outros grandes sucessos de público: A Garota Exemplar de Gillian Flynn e A Garota do Trem de Paula Hawkins. Por mais diferentes que sejam os enredos e os finais, os três tem um ponto em comum: casamentos aparentemente felizes, mas que, na verdade, escondem “esqueletos insepultos”.

O romance Destinos e Fúrias divide-se em duas partes. Na primeira, conhecemos a versão luminosa do casamento. Lotto e Mathilde se conheceram na faculdade e em cinco semanas estão casados. Um casal admirado não só pelos amigos, mas também pelos desafetos. Ele é um teatrólogo consagrado e ela a companheira fiel por trás do artista bem sucedido.  Na segunda surge outra versão, agora mais sombria e repleta de segredos.

Enquanto as duas “Garotas”, mencionadas anteriormente não escondem ao que vieram – são boas e inteligentes diversões cheias de reviravoltas surpreendentes – a narrativa de Destinos e Fúrias oferece uma prosa mais sofisticada.

Acreditei nesse estilo mais complexo e me decepcionei quando percebi que se tratava de mais outra história com desfecho inverossímil.

Não que a caracterização da personagem feminina tenha sido mal construída (muito pelo contrário!), mas custa-me acreditar que Mathilde conseguisse ocultar por mais de vinte anos um passado para lá de complicado sem ser desmascarada. Afinal, ao redor do casal circulavam pessoas que podiam e gostariam de vê-los separados.

Ao terminar de ler Destinos e Fúrias tive a desconfortável sensação de que me haviam prometido uma coisa e me entregaram outra bem diferente.

 

  • Destinos e Fúrias

Lauren Groff

Editora Intrínseca

R$ 39,90

E-Book R$ 19,90

 

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