É possível sentir saudades de um livro que ainda não se terminou? Pois é isso o que sinto enquanto leio devagarzinho “Para onde vão os guarda-chuvas”, do escritor português Afonso Cruz.
No início tive a impressão de adentrar em um labirinto. Por vezes a narrativa bifurcava, outras vezes conduzia-me a um beco sem saída. Curiosamente, não me senti confusa nem irritada, simplesmente deixei-me levar pelas múltiplas histórias contadas pelo autor.
A atmosfera que envolve o romance remete à magia das Mil e Uma Noites, sendo eventualmente perturbada por comportamentos desumanos ou ações fundamentalistas. Uma mistura aparentemente contraditória onde transitam personagens de todos os matizes: sábios, enamorados, cruéis, ingênuos, sensuais, brutos e conciliadores. Nesse universo mítico, a própria Morte também aparece para dar o seu recado.
A prosa de Afonso Cruz é sedutora e nela me perco:
“As pegadas não são as marcas dos nossos pés, são as marcas das nossas paixões, das nossas obrigações, dos nossos castigos, dos nossos prazeres. São o lugar por onde andamos, e isso revela muita coisa, mais do que impressões digitais e biografias oficiais. As pegadas, por vezes, (…) mostram quem pisamos, (e) evidenciam quem seguimos.”
“Para onde vão os guarda-chuvas” merece ser apreciado agora, e guardado com carinho. Deixar o tempo maturar e relê-lo daqui a alguns anos, quando, com certeza, o livro será outro e eu também.
- Por enquanto o livro só foi publicado em Portugal. No Brasil a editora Companhia das Letras lançou outras obras do escritor: Flores e Jesus Cristo bebia cerveja