Já lhe aconteceu de ter que ir a um lugar ou a uma festa, sem estar com a menor vontade, e tudo sair exatamente ao contrário do que esperava? O lugar é sensacional e a festa termina por ser o maior sucesso.
Foi mais ou menos assim, um tanto ou quanto desmotivada, que comecei a ler Uma Praça em Antuérpia de Luize Valente. O livro anterior da escritora já fora debatido no meu grupo de leitura. Não é que não tivesse gostado do O Segredo do Oratório, mas, na minha opinião, estava na hora de seguir adiante e conhecer outro autor brasileiro. Na reunião seguinte – à qual faltei – os participantes do grupo conversaram via Skype com Luize e decidiram ler seu último romance. Ainda bem que tomaram essa decisão porque o livro é ótimo!
Se em O Segredo do Oratório a autora resgatou a memória judaica que havia sido esquecida no interior do nordeste brasileiro, em seu novo livro ela aborda as vicissitudes sofridas pelos judeus nos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial e nos primeiros anos seguintes.
Na verdade, a narrativa começa no Rio de Janeiro quando Olivia, uma senhora portuguesa octogenária, conta para sua neta os motivos que a fizeram vir morar no Brasil.
De revelação em revelação, a jovem fica sabendo que sua avó tinha uma irmã gêmea, que se casou em Portugal com um pianista judeu alemão perseguido pelos nazistas. Theodor, o marido de sua irmã Clarice, também era comunista, um motivo mais do que suficiente para ser detido pelo governo de Salazar e deportado para seu país natal. Por essa razão, os dois decidiram sair de Portugal. Eles estavam felizes vivendo em Antuérpia quando a Bélgica foi invadida pelas tropas nazistas.
De novo precisaram fugir, mas nada fora planejado e eles tiveram que se juntar a milhares de fugitivos que se encontravam na mesma situação. Para o casal tudo era mais complicado. Eles preocupavam-se não só com a própria segurança mas também com a do filho, que tinha apenas quatro anos de idade, e com a gravidez adiantada de Clarice.
Uma Praça em Antuérpia é um romance baseado em fatos históricos que foram pesquisados pela autora em diversos jornais da época.
Enquanto lia, tinha a impressão de ver os lugares descritos e sentir a superposição de odores provenientes de corpos suados e mal alimentados. As descrições dos engarrafamentos e das multidões desesperadas se acotovelando na tentativa de escapar do inimigo são aflitivas.
Entendi porque me identifiquei mais com este romance do que com o primeiro. As perseguições e as fugas que ocorreram há mais de setenta anos estão acontecendo de novo. Desta vez chegam à Europa levas de refugiados escorraçados de seus países de origem por causa da religião que professam ou do grupo étnico a que pertencem. Fogem apenas com a roupa do corpo, abandonando às pressas casas e negócios, em busca de um lugar seguro para viver em paz.
Quando o grupo de leitura voltou a se reunir para debater o livro, mais uma vez conversamos com a autora via internet. Desta vez eu estava presente e fiquei chocada com uma informação que ela nos passou: Quando a guerra terminou, Salazar enviou um telegrama de pêsames ao governo alemão e decretou luto oficial de três dias pela morte do ditador. *
https://pt.wikipedia.org/wiki/Portugal_na_Segunda_Guerra_Mundial
- Uma Praça em Antuérpia
Luize Valente
Editora Record
R$ 45,00
E-BooK R$ 12,00