É brincando que se dizem as verdades e é brincando que se aprende muito.
Pois é assim de forma divertida e politicamente incorreta que o escritor e cineasta francês Riad Sattouf narra a sua infância no livro O Árabe do Futuro – uma juventude no Oriente Médio (1978-1984).
A história contada em quadrinhos começa antes de ele nascer, quando os pais se conhecem na Sorbonne. A mãe é uma autêntica francesa, criada sob os princípios de um estado laico e democrático. Por sua vez, o pai é um estudante sírio sunita, agraciado com uma bolsa de estudos. Fascinado pela França, o tema de sua tese de doutorado é esdrúxulo: “A opinião pública francesa em relação à Inglaterra, de 1912 a 1914”.
Como a maioria dos jovens, o futuro pai de Riad é um jovem cheio de sonhos. Um deles é mudar a mentalidade do mundo árabe: “Eu obrigaria todo o mundo a largar o fanatismo, a estudar e a entrar no mundo moderno”.
Outro sonho é ser professor em uma universidade europeia de renome. Decepcionado por não ser aprovado em nenhuma, considera isso como posições racistas e preconceituosas dos contratantes. Esperançoso, volta sua atenção para os países árabes, de onde só escuta notícias animadoras e ufanistas.
Grandes reformas socialistas e bons salários para os professores universitários o convencem a embarcar com a mulher e o filho para a Líbia. Na época o país era governado pelo todo poderoso Muamar Kadafi, responsável pelo surgimento de um estado socialista justo e igualitário.
E é a partir daí que a história começa pra valer. Com muito humor, o autor mostra as contradições entre a propaganda governamental e a realidade.
Vivendo numa sociedade patriarcal e machista, a figura da mãe quase não se percebe. O pai é o grande herói do filho, apesar de só desenhar carros Mercedes com rodas quadradas.
As “reformas” feitas pelo Guia Supremo continuam céleres, mas quando a lei de trocar obrigatoriamente de profissões é decretada, quem é professor deve trabalhar como camponês e o camponês deve ser professor, é hora de retornar para a França.
Uma nova proposta de trabalho é oferecida ao pai de Riad, e mais uma vez toda a família se muda para um país árabe, a Síria. Nele mora toda a família do pai do autor, que é governado com mão de ferro por Hafez al Assad, “O Leão”.
Sem dó nem piedade, e de quadrinho em quadrinho, os bastidores do regime ditatorial e da sociedade muçulmana são revelados.
Os valores culturais são tão arraigados e sedutores que paulatinamente voltam a ser admissíveis pelo pai de Riad, apesar de terem sido veementemente criticados por ele no tempo em que estudou na França.
O Árabe do Futuro é uma fascinante aula de Ciências Sociais. Infelizmente, ao terminar sua leitura, compreendi porque ocorrem tantos choques ideológicos nos países europeus para os quais árabes e muçulmanos imigraram.
Resta sempre a esperança de que, em curto prazo, os políticos aprendam a contornar as diferenças e procurem soluções de convivência, assim como fizeram os pais de Riad, pelo menos neste 1º volume. Outros dois mais virão para dar continuidade à história.
- O Árabe do Futuro
Riad Sattouf
Editora Intrínseca
R$ 39,90
E-Book R$ 24,90
ago 04, 2015 @ 13:55:45
Ótimo post e o livro parece interessantíssimo!
ago 10, 2015 @ 09:12:50
Ao ler sua crítica me lembrei do filme “Samba” e do movimento “Je Suis Charlie”. Estive na França e percebi uma integração até saudável entre franceses e mulçumanos. Mas as questões políticas, sobretudo da imigração dividem povos e estimulam preconceitos. Boa dica! Beijo!
ago 10, 2015 @ 10:28:32
Oi Ju,
Gostei muito do seu comentário. Ter interesse em conhecer a cultura do outro é sempre enriquecedor.
Beijo